Pessoas rabugentas que só sabiam reclamar umas das outras e
da situação, viviam isoladas cada qual em sua própria casa, indiferentes para
com os que não possuíam um teto para se abrigar do frio.
Um dia, passou por aquele lugarejo um mendigo.
Sofrendo com os açoites do vento e com a fome que lhe
castigava o estômago, ele ousou bater na porta de uma daquelas casas, em cujo
interior viviam as pessoas que sempre estavam de mal com a vida...
Assim que a porta se abriu, uma voz rouquenha ecoou pelos
ares, espantando o pobre pedinte, que pensou muito antes de bater na próxima
casa.
Mas o atendimento não foi diferente... Mais gritos e
xingamentos o fizeram sair em disparada.
O mendigo sentou-se desanimado num velho e sujo banco, e
ficou por alguns minutos mastigando um pedaço de pão ressecado que havia catado
na lixeira.
Quando se levantou para seguir seu caminho, em busca de uma
cidade mais acolhedora, percebeu que havia uma porta entreaberta... Era a porta
do templo que se abria e fechava com o movimento do vento...
Meio desconfiado, ele foi entrando devagarzinho...
Encontrou o guardião do templo, Sr. Chamas, e seu ajudante,
igualmente "congelado" pela mesmice que dominava aquela cidade
cinzenta e fria...
Olá!, falou, sem que ninguém lhe desse ouvidos.
Limpou a garganta provocando um ruído forçado, tentando obter
alguma atenção... Em vão.
Aproximou-se, então, do Sr. Chamas, que pensava em como
conseguir algo para comer, naquela cidade onde ninguém compartilhava nada com
ninguém, e falou bem alto:
Que pena que não poderei fazer aquela sopa quentinha, para
espantar o frio e matar a fome...!
Sopa!?, falou interessado o velho guardião.
Sim, eu sei fazer uma deliciosa sopa de botão de osso, mas
são necessários seis botões, e tenho apenas cinco...
Eu não tenho nenhum botão de osso, resmungou o Sr. Chamas.
Mas o alfaiate poderá nos ajudar, interveio o ajudante animado...
Jamais pedirei alguma coisa àquele velho babão e rabugento,
resmungou.
Mas, a vontade de tomar uma sopa quentinha o fez mudar de
idéia... E lá se foi ele, seguido pelo seu fiel ajudante, em busca de um botão
de osso para o mendigo fazer a prometida sopa com os botões milagrosos...
O Sr. Mendel, não menos rabugento, foi atender a porta com
visível má vontade, já que ambos viviam de brigas o tempo todo. Mas a fome do
Sr. Chamas era maior que o seu orgulho e por isso ele falou calmamente ao seu
companheiro de encrencas: precisamos de um botão de osso.
O alfaiate ia dizer que não tinha botão algum, quando ouviu
a palavra mágica "sopa" e interessou-se pelo assunto. Foi buscar um
botão... Mas impôs uma condição: iria junto para ver o "milagre".
Ah, o mendigo havia pedido também uma colher de pau, uma
panela grande, uma faca, e outras coisinhas mais...
E assim o Sr. Chamas, seu ajudante, o alfaiate e sua
sobrinha saíram pelas ruas, batendo de porta em porta para pedir os utensílios
necessários para se fazer a sopa de botão de osso.
Uma a uma as pessoas iam se juntando até que tudo havia sido
providenciado.
Mas o mendigo, que era muito esperto, disse que a sopa já
estava boa, e poderia ficar ainda melhor se alguém trouxesse um pouco de
cenoura, repolho, sal, pimenta, alho, e outros ingredientes...
As pessoas se lembravam que tinham alguma coisa em suas
despensas... E mais e mais coisas foram surgindo...
A sopa ficou pronta e todos tomaram até se fartar.
Surgiu até alguém para tocar e o povo dançou, e dançou, a
noite toda.
No dia seguinte, não faltaram portas se abrindo para o
mendigo se abrigar do frio.
Mas como o mendigo tinha que seguir o seu caminho de
mendigo... despediu-se e se foi... não sem antes deixar os botões
"milagrosos" para que aquela população pudesse continuar fazendo a
sopa.
Muito tempo se passou... Os botões foram se perdendo, um a
um...
Mas aquele povo já havia descoberto que o verdadeiro milagre
não estava nos botões, e sim na solidariedade que agora reinava em todos os
corações que passaram a se ajudar mutuamente.