domingo, 5 de abril de 2015

Criatividade contra o crime

Nomes de operações da PF e do MP são um rótulo unificador para se referir às ações e documentos levantados na apuração
Voldemort, Lava Jato, Publicanos, Zelotes. 
Nomes icônicos para operações de investigação deflagradas pelo Ministério Público ou pela Polícia Federal servem principalmente para identificar facilmente peças de autos e objetivos de apuração e ajudam até no acompanhamento dos leitores de jornais, mas a definição dos títulos chama a atenção pela elasticidade dos temas.
Somente em Londrina, duas operações em andamento pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) vão da cultura popular a termo pouco usual – no caso, Voldemort e Publicanos.
Enquanto o primeiro busca inspiração na multimilionária saga do bruxo Harry Potter, a segunda toma emprestada a definição de antigos cobradores de impostos dos romanos.
Segundo o coordenador do Gaeco no Paraná, Leonir Batisti, não há um núcleo ou pessoas específicas para escolher os nomes das operações.
Elas são escolhidas por meio de um "brainstorm" (tempestade de ideias, em inglês) entre a própria equipe. "É uma escolha momentânea, que expressa o que buscamos naquela investigação", afirma.
Esse nome surge quando, num determinado momento, é necessário um rótulo unificador para se referir às ações e documentos levantados na apuração.
"Quando a gente faz uma apreensão, são centenas de computadores, documentos. Ao invés de nos referirmos ao proprietário daquilo tudo, damos um rótulo", explica.
Inimigo de Harry Potter, Voldemort é um vilão tão temido que seu nome não pode ser dito. Seu nome foi adotado para a operação que investiga um esquema envolvendo o conserto de veículos oficiais do governo do Paraná que seria, de acordo com o Gaeco, comandado por Luiz Abi Antoun, primo distante do governador Beto Richa (PSDB) e que teria bastante influência nos meios políticos.
Nas escutas telefônicas, seu nome quase nunca aparece – é citado pelos outros como "chefão", "cara" ou "amigo", por exemplo. "É uma figura que fica nas sombras", explica Batisti.
Já a Publicanos investiga atuação ilícita de fiscais da Receita Estadual – os cobradores de impostos – que exigiriam propina de empresários para suprimir o pagamento de impostos estaduais.
Para a escolha dos nomes, normalmente a referência é feita ao objeto da investigação ou a algo intrínseco a ela, mas também pode ter apenas analogia ao caso.
Batisti lembra da operação Castelo de Cartas, que apurou associação criminosa para fraudar licitação da construção do anexo ao prédio do Tribunal de Contas (TC) do Paraná.
O nome é uma analogia a algo que se desfaz. "Como se desfez o próprio contexto do TC, que é a credibilidade."
O chefe da Superintendência da Comunicação Social da Polícia Federal no Paraná, Paulo Roberto Gomes da Silva, dá a mesma explicação sobre o método para batizar as operações do órgão.
Às vezes, no momento da definição, a apuração está longe do foco que acaba ampliado, como no caso da Lava Jato.
De acordo com ele, a operação de maior destaque nacional neste momento apurava irregularidades envolvendo o doleiro Alberto Youssef em um posto de combustíveis – daí o nome.
"Jamais achávamos que ia chegar na Petrobras", afirma.
Deflagrada no fim de março, a operação Zelotes é uma alusão ao adjetivo àquele que finge ter zelo. A investigação é focada em esquema de sonegação fiscal por meio da atuação de fiscais que anulavam ou revertiam multas, ou seja, sobre quem deveria zelar pelos cofres públicos, mas não o faz.
Em outros casos, os nomes são mais sofisticados. A operação Satiagraha, que culminou na prisão de banqueiros, diretores de bancos e investidores em 2008, vem do termo Satyagraha, que significa "firmeza da verdade".
O termo foi cunhado por Mahatma Ghandi em sua luta pela liberdade da Índia.