A aprovação da tramitação da Proposta de Emenda
Constitucional sobre a redução da maioridade penal pela Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados já era esperada, em especial
diante do verdadeiro clima de “comoção” criado em torno do tema por alguns
veículos de comunicação que insistem em desinformar a população acerca da
verdade por trás da responsabilização de adolescentes envolvidos com a prática
de infrações penais.
Parte-se de premissas absolutamente equivocadas (a começar
pela suposta falta de meios idôneos já previstos em lei para coibir tais
condutas e dar a seus autores uma “resposta” adequada e proporcional à sua
gravidade), usa-se de argumentos falaciosos (como a questão do “discernimento”,
superada desde o Código Penal do Império) e, por vezes, mentirosos, para se
chegar à conclusão de que a “solução mágica” para o problema da violência no
Brasil seria a redução da maioridade penal.
Nenhum dos argumentos em favor da redução da maioridade
penal, assim como a promessa que esta seria a “panaceia” para todos os males
que acometem a sociedade brasileira, resiste a uma análise crítica acerca de
sua razoabilidade.
Culpar a lei vigente (notadamente o Estatuto da Criança e do
Adolescente) pelo verdadeiro “caos” na segurança pública em que o país se
encontra chega a ser pueril, e somente quem não conhece quer o Sistema
Socioeducativo, quer o Sistema Penal brasileiro pode ter a ilusão de que
encaminhar adolescentes para este último terá algum efeito positivo sobre os
índices de violência, especialmente a médio e longo prazos.
Muito pelo contrário. O ingresso precoce (e se pretende cada
vez mais precoce) de adolescentes no Sistema Penal (que se encontra
comprovadamente “falido” e em boa parte “dominado” por organizações
criminosas), com índices de reincidência que beiram (e em alguns casos superam)
os 70%, seguramente apenas irá agravá-los, isto se houver vagas suficientes
para recebê-los, considerando que, segundo dados de 2012, havia um déficit de
237 mil vagas no Sistema Prisional, alem de 437 mil mandados de prisão
expedidos e não cumpridos (isso somente em relação a adultos penalmente
imputáveis).
Outros países que incorreram no erro da redução da idade
penal, como é o caso da Espanha e da Alemanha, logo trataram de aumentá-la
novamente, e mesmo países considerados “conservadores” e “rigorosos” na
repressão de infrações penais praticadas por adolescentes, como é o caso da
Inglaterra e dos Estados Unidos, têm revisto a forma de tratar seus jovens infratores,
apostando na educação e na busca de alternativas ao encarceramento em
estabelecimentos prisionais como solução para o problema da violência.
A educação, aliás, é o único – e verdadeiro – caminho, e
isso não significa, logicamente, que adolescentes autores de infrações penais
não devam ser responsabilizados por seus atos e mesmo, se necessário, colocados
em regime de privação de liberdade (como, aliás, hoje já ocorre, de acordo com
a lei vigente). Mas isso deve ocorrer num local adequado, que respeite sua
condição de pessoas em desenvolvimento (assim reconhecida pela própria
Constituição Federal) e lhes proporcione oportunidades concretas para uma vida
digna e produtiva para sociedade.
A redução da maioridade penal, se aprovada, fecharia essa
última “janela de oportunidade” para reversão da espiral de violência e
intolerância na qual o Brasil se encontra (e que a Lei Penal comprovadamente
não é – e nunca será – capaz de reverter), com gravíssimas consequências para
as gerações futuras.
É por essas e outras (muitas outras) razões que conclamamos
todos os cidadãos conscientes – assim como nossos nobres parlamentares – a se
informarem melhor sobre a matéria e não se deixarem levar pela emoção (e pela
ilusão), assim como pelo discurso populista e sem qualquer lastro de verdade
que culpabiliza os adolescentes pelo aumento da violência no Brasil (esquecendo
de mencionar que eles, comprovadamente, são muito mais vítimas do que autores
dessa violência). Tal discurso, de forma até mesmo irresponsável, pretende
“rasgar” a Constituição Federal unicamente para satisfação daqueles que não têm
qualquer compromisso com o cumprimento de seus preceitos e princípios,
notadamente os que – no sentido diametralmente oposto ao preconizado pela
proposta de redução da idade penal – prometem a plena efetivação dos direitos
de todas as crianças e adolescentes brasileiros.
Não é, enfim, com a pretendida alteração de uma das
“cláusulas pétreas” da Constituição Federal (o que, por sinal, é juridicamente
inadmissível) que o problema da violência no Brasil será resolvido, mas sim,
justamente, pelo efetivo e integral cumprimento do que já está posto no
ordenamento jurídico brasileiro, com a implementação de políticas públicas que,
de fato, priorizem a criança e o adolescente nas ações do Poder Público, num
viés eminentemente preventivo que é justamente a antítese do que se apregoa.
Esse é, sem dúvida, um caminho mais longo e difícil, mas
também é o único capaz de dar as respostas sérias e idôneas que a sociedade
brasileira precisa e tem o direito de receber por parte do Poder Público.
Ainda há esperança de que, se a matéria for analisada e
tratada como deve ser, de forma serena, refletida e responsável para com a
sociedade brasileira por parte do Congresso Nacional, essa e as demais
propostas de redução da maioridade penal sejam rejeitadas. E que o movimento
seguinte seja voltado à cobrança do efetivo e integral cumprimento da lei e da
Constituição Federal, a começar pela recém editada “Lei do Sinase”, que
institui um novo modelo para o atendimento de adolescentes autores de infração
penal em todo o Brasil e que ainda se encontra em fase incipiente de
implementação.
A sociedade brasileira (em alguns casos, mesmo sem se dar
conta) perdeu uma importante batalha, mas ainda há tempo de vencer a guerra
contra a desinformação e a iniquidade.
Quem viver, verá.
Murillo José Digiácomo é procurador de Justiça, coordenador
do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Criança e do
Adolescente do Ministério Público do Paraná